Argumentação

Não sei nem quantas vezes já vi isso na política e no direito:
 
A discussão filosófica encontra lugar em temas tão variados quanto se pode imaginar. Desde a decisão do STF a respeito de pesquisas com células-tronco até a questão da liberdade no Estado Democrático de Direito, passando pela discussão sobre a legalização das drogas e a descriminalização do aborto, todos são assuntos que remetem a um debate de ideias mais abrangente.
Entretanto, por algum motivo, o que se percebe é certa resistência para determinados núcleos, ainda que estejam preparados para tanto, apresentarem a discussão em um plano mais conceitual. Com isso, o debate, preso muitas vezes a questões objetivas, esvazia-se no que se refere à sua possibilidade de compreensão. Em vez disso, o que se vê é uma espécie de arena propícia para as acusações e para a argumentação rasteira, em que ninguém se entende e o diálogo inexiste.
Tal condição demarca um contraste ao se imaginar que, influenciada pelo signo de Iluminismo, a sociedade contemporânea caminha eufórica pela trilha da razão, como se fosse representante máximo da ideia de progresso. É esse dado que contrasta com uma posição de conflito quando se trata de discutir temas e, sobretudo, a validade de argumentos contrários aos temas citados no parágrafo anterior.
Com isso, vale quem agride mais. Ou seja, quem consegue neutralizar o adversário vence o debate, com o agravante que esse debate não ocorre porque os interlocutores não desejam enfrentar a argumentação. Racionalmente ou não, há quem prefira desqualificar o adversário. Chamar alguém de reacionário, por exemplo, é uma boa estratégia para tanto. Os spin doctors*, especialistas nessa tática diversionista, sabidamente ensinam: definam o seu inimigo.
 
(Texto adaptado da Revista Conhecimento Prático FILOSOFIA, n. 15, p. 7–13.)
 
* Nos Estados Unidos, a figura do spin doctor, uma espécie de relações públicas, é bastante conhecida, embora esteja muito mais relacionada à disputa política de Washington. O spin doctor é o profissional que utiliza seu status de conselheiro político e interlocutor da alta cúpula do poder para fazer com que condições desfavoráveis se tornem argumentos favoráveis ao seu grupo político.